Samuya



Ônibus para o Além

Era uma madrugada fria e enevoada quando o último ônibus da linha Limoeiro parou no ponto perto da padaria do Seu Manoel. Cebolinha já era um rosto conhecido naquela hora — voltava das aulas de reforço e sempre pegava o último ônibus da noite.
Ao subir, acenou discretamente para o motorista.

— Boa noite, Seu Jualez (*Juarez) — disse, encolhido no moletom, a mochila pendendo de um ombro.
— Boa noite, garoto — respondeu o motorista com voz rouca, sem tirar os olhos da estrada e acenando com a cabeça.

O ônibus estava quase vazio. Apenas três passageiros compartilhavam do silencio do local: dois cochilavam em poltronas opostas, e um mexia no celular, isolado por fones de ouvido.
Cebolinha sentou-se próximo ao motorista, e encostou a cabeça no vidro gelado da janela. O ônibus seguia seu caminho habitual, passando por uma rua estreita, quase engolida pela neblina. Ele reconheceu a descida longa que levava até a curva final, aquela que dava para o mar. Durante o dia, era uma vista linda, verdadeiro Cartão Postal. À noite, só aumentava a tensão de um abismo certo.
Puxou o celular do bolso e destravou a tela, quando ouviu a voz do motorista cortar o silêncio:

— É... a gente só dá valor nas coisas depois que perde mesmo.
Cebolinha levantou os olhos, encarando o retrovisor. O rosto do Seu Juarez estava sério, quase tenso, os olhos fixos na estrada.
— Ué, filosofia às duas da matina, Seu Jualez? — disse Cebolinha, tentando soar leve, mas sentindo um arrepio desconfortável.
O motorista respondeu sem hesitar, com a mesma voz firme e sem emoção:
— Não... perdi os freios.

Por um instante, tudo ficou em silêncio. Até o barulho do motor pareceu diminuir, enquanto a curva à frente se aproximava cada vez mais rápido.

De repente tudo parecia levitar no espaço infinito.

- Ah! polla...